por Petrônio Souza*
Diamantina estava em festa. Receberia naquela tarde o governador de Minas e ex-presidente da República Itamar Franco, que não era dado a viajar pelo interior de Minas e muito menos a encontros municipais. Sabendo do momento quase histórico, o prefeito da cidade, o médico em curso de santo João Antunes preparou uma recepção acima da tradição de Juscelino e do status de Diamantina: Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Decretou feriado municipal, convidou prefeitos de todo Vale do Jequitinhonha e alhures, encomendou carreata, com padres, pastores e bispos nas praças, grupos de serestas, bandas de música de todo o município tocando os mais diversos dobrados, e os estudantes da rede municipal entoando, perfilados, o hino nacional, com a recomendação de cantar a plenos pulmões ‘assim que o governador surgir na porta do avião’.
Alheio a tudo isso, o deputado federal e procurador da República Carlos Mota pousava em avião fretado na vizinha e também histórica Minas Novas, berço dos Badarós. Com tempo e avião à disposição, Carlos Mota decidiu passar o dia em Diamantina e partiu anônimo para a terra de Juscelino. Ao apontar no horizonte o pequeno bimotor do deputado Mota, iniciou-se uma grande festa no aeroporto de Diamantina, com uma artilharia de fogos de artifícios cruzando o céu e explodindo ao lado do avião. Quanto mais se aproximava do aeroporto mais se intensificavam os fogos e as bandas de música tocavam mais alto. Ao ver pela minúscula janela do bimotor a multidão enfileirada em acenos frenéticos, o deputado sugeriu arremeter, quando a multidão entrou em êxtase. Imediatamente, Carlos Mota ligou para o amigo em terra, Erildo, indagando o que se passava. Sem saber a agenda do dia, Erildo respondeu: “é o reconhecimento tardio por seu empenho na campanha para Diamantina se tornar Patrimônio Cultural da Humanidade”. Não era!
O avião pousou, sendo rodeado por uma multidão de líderes políticos, empresários, artistas, padres, magistrados, todos de olhos fixos na porta, quando se abriu e surgiu, lépido e fagueiro, um sorridente e festivo deputado Carlos Mota.
Sem acreditar, o prefeito de Diamantina abaixou os braços, olhou para um lado, olhou para o outro, caminhou até o deputado e falou na lata, com seu sereno sotaque capistrano: “ô CarluMota, ocê cabô cum nossa festa, moço!!! Que papelão! Cumê que cê faz um trem desse com a genti, homi di Deus! Eu tô com a cara no chão…”.
Sem fogos de artifício sobressalentes e repertório para as bandas de música, Itamar desceu tranquilo e sereno na seresteira Diamantina, bem ao seu modo, sendo poupado dos rapapés e salamaleques pelo imprevisível deputado. Até hoje, trinta anos depois, Carlos Mota tem que explicar o porquê foi pousar naquele dia histórico na histórica Diamantina.
Se o Rio Grande do Sul, honra e glória do Brasil, obtivesse êxito em sua histórica proposta separatista, hoje não receberia em seu aeroporto o avião presidencial, mas, possivelmente, o avião de um inesperado deputado.
*jornalista e escritor