Nivaldo Ferreira dos Santos*
Nos últimos meses a comunidade itabirana tem enfrentado diversas situações absurdamente constrangedoras ligadas ao abastecimento público de água, incluindo a “falta de água” e o registro de vários casos de “água suja chegando nas torneiras e nas caixas d’água”, sendo algumas dessas situações levadas até mesmo aos órgãos de imprensa em nível estadual e nacional (Itabira apareceu “na Globo” por causa de alguns dos problemas com o abastecimento de água).
Infelizmente, em várias das situações ocorridas, ao buscar as causas dos problemas, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) acabou chegando a questões relacionadas à atuação da mineradora Vale S/A em Itabira – vejamos dois exemplos: em um dos casos de “água suja” foi constatado em novembro de 2023 que uma empresa que prestava serviço de manutenção de máquinas e equipamentos para a Vale derramou centenas de litros de óleo contaminando a terra e a água próximo ao local de captação da água que era tratada na Estação de Tratamento de Água do manancial “Pureza”, responsável pelo abastecimento de mais da metade da população urbana do distrito sede do município, e depois ainda foi constatado que essa empresa “prestadora de serviços” não tinha licença ambiental pra operar, fato que não havia sido observado pela mineradora que contratava seus serviços e nem pelos órgãos de fiscalização ambiental; algumas semanas depois, no final de dezembro de 2023, o SAAE chegou à conclusão que a “água turva” distribuída para alguns bairros era proveniente do “anel hidráulico”, na mesma região onde a Vale disponibilizava uma parte da água fornecida pela mineradora para cumprir um “Termo de Ajustamento de Conduta” (TAC) firmado alguns anos atrás se comprometendo a “entregar” diariamente 160 litros de água por segundo para complementar a água captada e tratada pelo próprio SAAE.
Mais recentemente, em abril de 2024, o Ministério Público Estadual, através da promotora de Justiça da curadoria de Defesa do Meio Ambiente da Comarca de Itabira, divulgou uma decisão/acordo em que a Vale deverá pagar uma multa de R$ 14.500.000,00 (quatorze milhões e meio de reais) por deixar de cumprir a obrigação de fornecer ao SAAE o “reforço hídrico” previsto no “TAC do Rio Tanque”, firmado em agosto de 2020. “A multa é por descumprimento parcial do fornecimento de 160l/s”, confirmou a representante do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), e os recursos dessa multa devem ser investidos pelo SAAE em ações de melhorias e ações corretivas, como diminuição de perdas, aumento da capacidade de reservação e outras medidas urgentes e projetos a serem apresentados pelo SAAE – é importante registrar que nesse novo “acordo” estão previstas mais multas caso ocorram novos descumprimentos por parte da Vale em relação à “disponibilidade hídrica” já pactuada.
Já na segunda quinzena de abril de 2024, outra notícia chamou atenção da comunidade itabirana para o mesmo tema: a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL) fez um requerimento na reunião da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para a realização de uma audiência pública sobre a qualidade da água em Itabira – essa audiência pública está marcada para o dia 6 de maio de 2024 às 10 horas no auditório da ALMG e foi proposta para discutir “os impactos da mineração sobre a qualidade e o fornecimento de água no município de Itabira”. Na divulgação da audiência pública estão destacados 4 (quatro) fatos recentes: 1) o derramamento de centenas de litros de óleo no manancial da “Pureza”; 2) um relatório apresentado pelo Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais (IGAM) após denúncia do PSOL de Itabira, por requerimento da deputada Bella Gonçalves, no qual foi apontado que “TODOS os pontos de água analisados no município (área urbana e rural, a maioria próximos a áreas mineradas) estão em desconformidade com as normas de qualidade”; 3) Todos os anos a população sofre com o racionamento de água, enquanto a maioria das outorgas para uso da água em Itabira estão “nas mãos da Vale”, ao invés de priorizar o abastecimento da população conforme prevê a legislação; 4) os moradores dos Bairros Bela Vista e Nova Vista (e outros bairros vizinhos) estão passando por vários problemas relacionados aos riscos pela proximidade com a “Barragem do Pontal”, sendo que parte dos moradores está sendo retirada (ou “expulsa”) por meio da compra de suas casas pela Vale e outra parte sofre há várias décadas por causa de uma “rede de esgotos” que passa em um terreno da empresa próximo a suas residências, além da previsão de se tornarem, em breve, vizinhos da “Estrutura de Contenção a Jusante” (ECJ-2), um “mega-muro” com 330 metros de extensão e até 6 metros de “altura externa”, além de “vários metros de perfuração interna ao solo”.
Para completar, na manhã do dia 25 de abril de 2024 várias pessoas de comunidades próximas ao “Rio de Peixe” divulgaram em redes sociais imagens (fotos e vídeos) do leito do rio com uma coloração vermelha, sendo constatado que se trata de material gerado por uma empresa instalada no Distrito Industrial de Itabira – não é a primeira vez que isso ocorre e, segundo informações divulgadas pelos órgãos de imprensa de Itabira, o caso está sendo investigado pela Polícia Civil e pela Polícia Militar de Meio Ambiente e técnicos do SAAE e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente também estão analisando o material e realizando ações de fiscalização, que devem gerar autuação, multas e outras ações.
E isso é só uma parte das preocupações com as águas de Itabira – há muito mais a ser avaliado e realizado, tanto no que se refere ao abastecimento público, à preservação de nascentes, manutenção da vegetação próxima às nascentes a às margens dos cursos d’água (as famosas “matas ciliares”), ao tratamento de esgotos domésticos e industriais, contaminações de vários tipos, (falta de) educação ambiental e diversos outros temas relacionados… Até breve!
* Nivaldo Ferreira dos Santos é Mestre em Administração Pública, Professor, Líder Comunitário e Servidor Público