Primeira confirmação de pessoa contaminada duas vezes por coronavírus no Brasil não significa que imunizantes não gerarão imunidade satisfatória, dizem especialistas
Às vésperas do planejamento para iniciar a campanha de vacinação contra Covid-19, o Ministério da Saúde confirma o primeiro caso de reinfecção pelo coronavírus no Brasil, o que sugere que a completa imunidade contra o patógeno não é permanente. Uma profissional de saúde, que trabalha do Rio Grande do Norte, voltou a ter um teste positivo 116 dias depois da primeira confirmação, desta vez com um vírus geneticamente diferente. A confirmação não invalida as vacinas, entretanto, e elas seguem como a principal estratégia e esperança contra a pandemia, segundo especialistas consultados por O Tempo.
“As pessoas adoecem e montam uma resposta ao vírus, a imunidade. Muitas vezes, ela é específica para o tipo de vírus que a infectou, que chamamos de variante, mas a pessoa pode continuar suscetível a outras variantes. É como uma loteria. Não sabemos qual infectará alguém e como o corpo de cada um vai responder a isso. No caso da vacina, sabemos como, porque desenvolvemos esse padrão e sabemos exatamente que a resposta que a vacina vai gerar é sobre determinada parte do vírus”, explica a pós-doutora em bioquímica Mellanie Fontes-Dutra.
As principais vacinas que estão sendo desenvolvidas focam na proteína S do vírus, que forma a “coroa” ao redor dele e que é utilizada para ele se conectar às células do corpo. É uma parte do patógeno que tem se mostrado estável a constantes mutações ao longo do tempo, por isso a geração de memória imunológica para reconhecê-la tende a proteger o organismo contra diferentes variantes do Sars-CoV-2. “A vacina gera imunidade sem desenvolver a doença”, completa a pesquisadora.
Um estudo publicado recentemente por especialistas da Universidade de Stanford, na Califórnia, mostra que os anticorpos que combatem a Covid-19 na fase mais ativa não duram mais que cinco meses, mesmo em pessoas que tiveram quadros graves. Mas não são apenas esses anticorpos que protegem contra a doença, explica Fontes-Dutra.“Se tivermos células de memória, caso haja segunda infecção, a resposta é bem mais rápida que na primeira e a pessoa estaria protegida de desenvolver a doença, mas não é descartada a hipótese de que ela ainda possa transmitir o vírus nesse processo”, detalha.
Ele age de formas diferentes no corpo de cada pessoa, por isso uma das hipóteses para explicar o porquê de a reinfecção ser rara, em princípio, é que o patógeno bagunce a resposta imunológica de alguns indivíduos. “Não se sabe ainda o perfil dessas pessoas e é preciso fazer a análise genética de cada caso, mas pode ser que o vírus tenha interferido no sistema imunológico, que então não gerou uma resposta imune de longa duração”, detalha o microbiologista Luiz Almeida, membro do Instituto Questão de Ciência.
Ele também diz que a possibilidade de reinfecção não invalida a hipótese da imunidade de rebanho — que é alcançada, especialmente, com vacinação em massa. “Mas isso vamos ver apenas com o passar do tempo. As vacinas de agora foram avaliadas para diminuir os casos graves da doença Covid-19. Pode ser que as pessoas continuem a transmitir o vírus ainda, mesmo sem sintomas graves”, continua Almeida. E contar que se chegará à imunidade de rebanho por meio de larga contaminação implica mais óbitos e casos, ressalta Fontes-Dutra.
27 casos de reinfecção foram confirmados no mundo
Até agora, 27 casos de reinfecção pelo coronavírus foram oficialmente confirmados no mundo, segundo contabilização da agência de notícias holandesa BNO News, que compila essas informações. Em Minas Gerais, 17 casos são investigados, segundo os dados mais recentes da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG).
A confirmação depende de comparar o sequenciamento genético do primeiro e do segundo vírus que infectaram a pessoa para descartar a hipótese de que se trata de um resquício da primeira contaminação. Como pessoas assintomáticas não costumam ser testadas, é provável que haja subnotificação de reinfecções, lembram pesquisadores.
Ainda assim, elas não deixam de ser raras, pontua o pesquisador Mauro Teixeira, que coordenou os testes da Coronavac em Belo Horizonte. “Já tivemos milhões de casos de Covid-19 no Brasil e um caso de reinfecção confirmado. Que sejam mil casos, isso é irrelevante do ponto de vista epidemiológico. É importante para o indivíduo que teve o azar de se recontaminar, mas não para a saúde pública. O importante é vacinar todos o mais breve possível”, diz.
De todo modo, enquanto ninguém tem certeza se ainda está suscetível a uma nova infecção, que pode, inclusive, ser mais grave que a primeira, os curados da Covid-19 também precisam continuar utilizando máscara, evitando aglomerações e fazendo a higienização das mãos, como qualquer pessoa.
Ainda é cedo para especificar se mais aplicações de vacina serão necessárias
A possibilidade de reinfecção pelo coronavírus não crava que será necessário ser imunizado contra a Covid-19 periodicamente. Isso será analisado na medida em que milhões de pessoas mundo afora forem vacinadas, o que corresponde à fase quatro dos testes dos imunizantes.
“A vacina da febre amarela foi criada há décadas e a duração da imunidade gerada por ela ainda é estudada. É um trabalho em continuidade, e não saber a duração da imunidade não é uma face negativa da vacina de Covid-19. Essas vacinas estão sendo produzidas com muita qualidade em tempo recorde” diz a doutora em microbiologia e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jordana Reis
Ela destaca, ainda, que pessoas que já tiveram a doença também deverão ser vacinadas, provavelmente. “Não será arriscado tomar mesmo tendo tido a doença. É a mesma recomendação que se faz, por exemplo, para vacinas de infância: se você não sabe se teve sarampo ou não, toma a vacina de qualquer jeito”, completa a microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak.
Fonte: O TEMPO